terça-feira, 19 de março de 2013

Gênese e Desenvolvimento do Trabalho, da Cultura e do Poder


Vinicius Gomes de Oliveira

Quando a espécie da qual fazemos parte (Homo sapiens sapiens) ainda não era absoluta no solo do planeta Terra, as condições de vida eram semelhantes as dos animais que hoje classificamos como selvagens. Contudo, um elemento passa a contribuir significativamente para o gradativo distanciamento dessa condição
selvagem, primitiva, pré-histórica. O trabalho é compreendido como ação que contribui para a humanização do homem, pois ele proporciona experiência e consequentemente conhecimento, logo, Cultura. Sendo assim, não é possível construir e desenvolver culturas sem Trabalho. Porém, o sentido deste último não é imutável, ele sofre uma variância em cada período e/ou processo histórico.

No período em questão, o pré-histórico (paleolítico e mesolítico), o Trabalho tinha um sentido puramente natural. Este garantia ao homem, ou hominídeo, a superação das intempéries naturais, assim como o suprimento de suas necessidades básicas para sobrevivência. Diante disto, o acúmulo de conhecimento decorrente da experiência do Trabalho instituiu valores, símbolos, mitos, verdades, tudo isso num ritmo ditado pela capacidade cognitiva dos sujeitos daquele período e das condições extracorpóreas. Levemos em consideração que nossos ancestrais pré-históricos viviam como nômades, e isto associado ao baixo desenvolvimento da capacidade mental e física mantinham o conhecimento numa condição frágil e volátil, pois as constantes mudanças de habitat motivadas pela escassez ou iminência de ataques ao grupo, muitas vezes tornavam um conhecimento, um saber, inútil em outro local e situação. Ai repousa a maior dificuldade para o desenvolvimento de culturas nesse período.

Apesar de tal fato, alguns grupos destacam-se no desenvolvimento do Trabalho e da Cultura, criando artefatos como lanças, lâminas de pedras, vestimentas de couro e pêlos, estratégias de defesa e ataque. Esta
bagagem cultural pré-histórica impulsionou o surgimento de outro processo e/ou período histórico, conhecido como neolítico, mas também traz à historicidade o Poder. Pensemos então no processo que promove o entrelace destes, aqui objetos de estudo, na vida cotidiana real dos nossos ancestrais, para esboçarmos um possível entendimento da importância e impacto desses objetos em nossa vida cotidiana real, em pleno século XXI.

O conhecimento adquirido na experiência do Trabalho àquela época é a Cultura germinal. Logo, quanto mais experiências realizadas mais conhecimento se obtêm, sendo os sujeitos com mais idade os mais experientes do(s) grupo(s), e talvez por isso merecedores de respeito, privilégios e Poder de decisão. Entretanto, o Poder não é atribuído apenas aos mais velhos como também as mulheres, tendo em vista que são estas que concebem a vida; fato este que as tornam semelhantes terra (ou Mãe Terra), as árvores, as águas, a Deusa Mãe (e não Deus Pai), sangram por vários dias e permanecem vivas, enquanto o homem fatalmente morrerá caso seja ferido e este ferimento faça-o sangrar por dias. A mulher passa a ser detentora do Poder Espiritual enquanto o homem detem o Poder Material, e quanto mais idade, mais respeito, privilégios e Poder para ambos os gêneros. Neste sentido, observa-se uma segregação, anexada ao Poder, entre os membros dos grupos préhistóricos, segregação esta que “insiste continuar” durante os doze a dez mil anos de história ou civilização.

Dando continuidade a nossa viagem, agora no período neolítico e com uma bagagem considerável, veremos que as construções tornam-se mais sofisticadas: cerâmica, agricultura, metais. Porém, essas construções não são o marco deste novo período e/ou processo histórico, elas foram surgindo mediante o alargamento das experiências adquiridas com o trabalho e dos contatos entre grupos (difusionismo ou miscigenação cultural), e à medida que os grupos se apropriavam dessas construções penetravam mais nesse novo processo que indica domínio sob a natureza por parte dos sujeitos que sobrevivem a esta e nesta. Não é possível afirmar a ordem cronológica do surgimento daquelas construções, pois há variâncias de tempo e espaço.

O fato de a agricultura fazer parte das atividades cotidianas possibilitou a acomodação dos grupos em espaços geográficos por um tempo considerável e consequentemente uma ligação muito forte com o ambiente construído, ou seja, inicia-se a instituição de uma identidade comunal. Esta reflete nas construções, ou melhor, na (re)produção da vida: o formato dos objetos, o manejo da terra, estocagem, domesticação de animais, relações e divisão do trabalho e do poder; ao passo que cada agrupamento humano tem suas peculiaridades, seus traços característicos.

Neste cenário um novo sentido é atribuído ao trabalho, que antes era voltado para superação da natureza, agora é focado no domínio da mesma, fazendo-se valer dos utensílios e da estrutura social que se formava, das instituições que surgiam (família, religião, economia) gradativamente e consequentemente ordenavam, regiam as relações sociais em processo de ampliação de fronteiras. Consideremos que essas instituições são dotadas de poder, o qual o homem atribuiu as mesmas após ter conhecimento do exercício deste, que por sua vez ocorre após um considerável acúmulo de conhecimento decorrente da experiência do trabalho, como registrado no início desta leitura.

Essa relativa complexidade dos agrupamentos humanos, agora comunidades camponesas neolíticas, proporcionou as bases necessárias para o surgimento de uma nova fase do desenvolvimento humano, conhecido como antiguidade. Neste novo processo histórico os conflitos tornam-se mais evidentes e o exercício do poder visa também o domínio de outros seres humanos, tendo em vista que surge uma sociedade política que decide os projetos a serem executados nos centro urbanos, desconsiderando a intenção, à vontade, o desejo e a opinião de uma parcela de seres humanos pertencentes à mesma localidade, sob o argumento da incapacidade ou inferioridade dos mesmos, assim subjugados e/ou alienados.

As civilizações do período em questão obtiveram grande êxito na realização de suas atividades produtivas baseadas na mão de obra escrava. O exercício do poder nestas está vinculado a representações míticas, pois a cultura destes povos ainda reproduz e se relaciona com conhecimentos produzidos nos períodos pré-histórico e neolítico. Narrativas míticas e lendárias fazem parte do cotidiano e legitimam o exercício do poder em agrupamentos cujo líder é concebido enquanto representante divino em terra, diferentemente do acorrido em agrupamentos mais desprendidos da teologia, a exemplo da Grécia em seu período helenístico, que aprofundaram o uso da razão e, em meio esse aprofundamento, legitimaram as dominações sobre outros homens.

Temos então dois tipos de conhecimentos, o abstrato e o prático, e facilmente percebemos que quanto mais o homem condensa o conhecimento abstrato mais ele realiza a dominação de outros homens, pois o conhecimento adquirido com a experiência do trabalho focado na superação da natureza foi condensado e associado ao tempo de vida dos indivíduos, e isso quase que de forma natural empodera os então anciões, como também as mulheres. Esse poder é um elemento que o homem não tem experiência em manipular, que foi gradativamente lapidado pela razão (conhecimento abstrato), acarretando no surgimento de elites e/ou classes sociais dominantes, e obviamente classes sociais dominadas.

Isso nos dá uma boa noção de como a vida social é configurada e a importância das instituições sociais (Trabalho, Cultura e Poder, entre outras) nesta configuração societária. Apesar de ser bem elucidativa e facilmente aceita, essa teoria defendida por Marx e seu fiel escudeiro Engels não é a única válida, segundo filósofos e cientistas sociais, pois o saber não é algo pronto e acabado, por isso outros pensadores se debruçam sobre tais questões buscando respostas mais satisfatórias, mais completas. Teorias mais sofisticadas podem ser verificadas, como por exemplo, em Foucault, grande filósofo francês que afirma o poder como algo pertencente a cada indivíduo e não como uma instituição a qual poucos têm acesso.

O pensamento que trabalhamos neste texto é a base da teoria marxista (O Materialismo Histórico-Dialético) e é fundamental para compreendermos em profundidade os conceitos, os questionamentos que Karl Marx e seus seguidores fazem sobre a sociedade capitalista, como também entender os por quês dos fracassos das experiências socialistas. Outras discussões que ultrapassam os limites das categorias/instituições que abordamos aqui (Trabalho, Cultura e Poder) exigem um relativo domínio do saber sociológico elaborado por Marx, e aqui apenas iniciamos os estudos na teoria marxiana.


Texto de Vinicius Gomes de Oliveira

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