domingo, 24 de março de 2013

Crepúsculo Urbano

Vinicius Gomes de Oliveira

Caminhar pelas ruas de uma cidade pós-moderna é normalmente uma experiência rotineira para os nativos, e reveladora para os forasteiros. Mas se utilizarmos os óculos da antropologia urbana poderemos visualizar o exótico como familiar, ou talvez estarrecedor, e o familiar como exótico, ou mesmo inconveniente. Com isso poderemos perceber certas, ou possíveis, problemáticas sociais óbvias, mas que por permanecerem na obscuridade explicativa tendemos à aceitação acrítica dos fatos complexos essencialmente humanos, ou seja, não naturais.

Coloquemos os óculos, observemos as casas, ou melhor, toda e qualquer propriedade territorial. Boa parte destas estão demarcadas - imposição de limites – seja por cercas ou por muros cada vez mais altos que culminam em vidros, grampos e cercas elétricas que silenciam pássaros e empoderam sirenes cujos toques denunciam a ocorrência de fatos que corroboram com o aprofundamento do processo de desumanização do Homo sapiens .Tais demarcações territoriais do meu espaço e não seu, ou do seu e não meu, inviabilizam o acesso, não apenas ao espaço geográfico público ou privado, como também de um sujeito para o outro. Talvez seja por isso que cada vez mais nos afastamos uns dos outros e consequentemente da essência humana que um dia permeou nossa existência, hoje exuberantemente vã e tola.

Isso parece provocar um sentimento de angustia devido a semelhança com a nossa vida cotidiana real, longe de teorias científicas e dos óculos utilizados aqui. Esse sentimento pode aumentar de acordo com a quantidade de objetos que submetemos aos referidos óculos, que reconfiguram nossa perspectiva e possibilita uma observação analítica profunda, na qual os objetos podem ser confrontados criticamente com auxílio de uma infinidade de argumentos antropológicos, sociológicos, filosóficos.

Seria prudente retirarmos os óculos para tentarmos freiar essa angústia, que pode ser um quadro patológico inerente à vida contemporânea. Porém a prudência pode comprometer o progresso, neste caso, o progresso do entendimento e/ou esclarecimento. Mas para manter um equilíbrio entre prudência e progresso, vamos a nossa ultima análise: nossa contribuição na formação da paisagem urbana.

Saímos de casa pela manhã para nossas obrigações diárias, levamos o lixo não selecionado para uma lixeira que já está sendo vasculhada por um sujeito-cidadão que garante sua subsistência com o que não nos serve mais. Entramos no transporte, público ou particular, que facilita nossa mobilidade, e destes observamos outdoors que mudam constantemente, lambe-lambes tão polêmicos quanto desarmônicos, pessoas descartando objetos pelas janelas dos veículos ou enquanto caminham, outras distribuindo panfletos logo descartados, camelôs e ambulantes disputando espaços com o comércio formal e com os sujeitos-consumidores que também são sujeitos-cidadãos, postes que sustentam quilômetros de fios caoticamente desenrolados.

Mas qual a ligação destas contribuições particulares na paisagem urbana com o crepúsculo aqui citado? Diante desta pergunta uma afirmação é bastante pertinente, apesar de não ser a resposta esperada. Já não é mais necessário nenhum óculos para construir uma resposta satisfatória. Mas um elemento contribui bastante, sendo o mesmo indispensável para fazer uma ponte entre os problemas apontados, e quando esse é proferido promove embaraço: ele é o dinheiro.

Na busca por esse elemento cada ato torna-se legítimo, comum e conseqüentemente contributivo. O que importa é executar a atividade que garante a posse do dinheiro. As conseqüências dessa atividade não são consideradas, apesar de impactarem diretamente na vida cotidiana real de todos os sujeitos, seja na condição de cidadão, consumidor, produtor, trabalhador, ou mesmo agente social.

Caso nossa problematização encerrasse agora teríamos muito pano para confeccionar uma colcha de retalhos, ao invés de véus para Isís, como fazem os que vislumbram o poder como fonte da política usurpadora que impera em nossa história desde tempos imemoriais. Contudo ainda é necessário expressar que o crepúsculo urbano torna-se real devido ao crepúsculo humano que o antecede. Nossas construções declinam em um ritmo gradual, aproximando-se ao do nosso espírito, e o inverso se torna verdadeiro quando as proporções alcançam escalas desgraçadamente amplas. Não vamos propor aqui soluções alternativas para um problema tão amplo quanto complexo, isso exige muito mais empenho e reflexão, como também engajamento em atividades que em nossas obrigações diárias não encontram espaço para serem desenvolvidas.

Como profissional das ciências sociais só posso me limitar com o auxílio nos estudos e investigações sobre tais fatos e/ou problemáticas, para depois, se for o caso, atuar nos movimentos e redes solidárias de mudança social, junto aos que despertaram para tal necessidade. Ao passo que sozinhos não somos nada, sozinhos não construiríamos sociedades, muito menos os crepúsculos citados, pois ser só pressupõe ser independente, e a independência é ilusória, possivelmente inexistente. Precisamos pensar como sujeitos interdependentes. Alcançando esse pensamento e o inserido como uma constante em nossas obrigações diárias, iniciaremos um processo de humanização espiritual e urbana. Quem sabe assim o crepúsculo cede e a alvorada impera antes da penosa experiência na escuridão.


Texto de Vinicius Gomes de Oliveira

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