domingo, 24 de março de 2013

Cotidiano, Economia e Realidade


Vinicius Gomes de Oliveira

Ao elaborar um trabalho acadêmico sobre a teoria marxista, questionei pensamentos que me vieram sobre objetos introduzidos na realidade cotidiana. Para ser mais objetivo, questionei os impostos e tributos, cartões de crédito, coação e o nosso nível de “otarice” (do adjetivo otário)[1].

[1] Termo proveniente da cultura popular que segundo o dicionário Michaelis, quer dizer: Vítima do conto-do-[vigário]. Indivíduo ingênuo, tolo, que facilmente se deixa enganar. [...] Curiosamente o substantivo Vigário é encontrado na igreja católica em forma de título destinado aos padres párocos.

Visando um entendimento mais detalhado dessa questão apontarei alguns impostos como o IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), IPTU (Imposto Predial Territorial urbano) – ambos podem ser interpretados como anuidade sobre posse e uso dos objetos em questão, o que os tornam análogos aos cartões de crédito -, ISS (Imposto Sobre Serviço) também conhecido como ISQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e, por que não citar um dos que mais faturam para do estado? O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Ora, é muita imposição por parte do Estado democrático, capitalista, que com este faturamento poderia fazer muito em prol do bem comum proposto em sua teoria geral. No entanto, sabemos que a proposta de sociedade do nosso modo de produção só se importa com este “bem” quando lhe é conveniente, ou seja, quase nunca.

No que tange os cartões de crédito meu questionamento encontra-se no que há de mais semelhante com os impostos, porém, distinguidos unicamente pelo caráter privado dos meios de produção das financeiras. Refiro-me às taxas de juros e à anuidade. Evidentemente, questionamentos, negações e receios surgiram em sua análise textual, ou se preferir, em seu pensamento, mas calma, isso faz parte do processo de discussão dialética e como diz Karl Marx em O Capital, “examinemos mais de perto”.

Os impostos por si só expressam sua função coercitiva inerente à manutenção do Estado democrático, capitalista. As taxas de juros e anuidades dos cartões de crédito são taxas impostas aos indivíduos que desejam utilizar os serviços desses, e, é neste ponto que reside à semelhança entre estes objetos da nossa realidade coercitiva. Com os impostos não tem discussão, o indivíduo tem que ser otário e pronto, já com os cartões de crédito o indivíduo pode ou não ser, taxado de otário, isso dependerá da vontade dele continuar ou não legitimando esta coerção.

O Estado democrático, capitalista, busca incessantemente uma maneira de fazer do indivíduo um otário, e isso é feito através da expropriação de sua essência humana, tornando assim, este adjetivo em substantivo e o humano em operário. Procurar explicações para este fenômeno social e gramatical requer um estudo relativamente aprofundado com perspectivas sociológicas distintas e um viés linguístico. Para começar podemos citar Weber que diz em, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, que um indivíduo qualquer de uma dada sociedade encontra-se impreguinados pela tradição desta, logo, os oprimidos expropriados desde sempre são tradicionalmente otário[2].

[2] Não quero aqui desmerecer a obra de Max Weber, que é de vital importância à sociologia na contemporaneidade, mas sim dá condições aos que sofrem com este estigma histórico a serem críticos de si mesmos, de sua história e sociedade.

Deixando de lado a perspectiva weberiana, analisemos mais de perto pela ótica marxista, podendo ser iniciada em, A Origem do Capital, onde Marx procura elucidar o processo avassalador de estruturação do capital que, através da especulação latifundiária juntamente ao Direito usurpador e sangrento criado descaradamente pela burguesia em ascensão e seus associados, expropriou brutalmente o camponês, futura classe operária, dos meios de produção, forçando-o a vender o único capital que lhe restou, a força de trabalho, para poder sobreviver. Marx entende essa força de trabalho como uma mercadoria que o comprador lucra e o vendedor perde, segundo a teoria da Mais-Valia[3], encontrada em O Capital. A otarificação do individuo, no período capitalista, iniciou-se com a redução do salário base, ainda no período de formação do capital, juntamente com a criação do “exercito de reserva”[4], como se não bastasse o arrebatamento das terras camponesas.

[3] Termo marxiano que discorre sobre o lucro do capitalista no salário pago ao operário. Em síntese, Marx diz que o salário pago refere-se à meia jornada de trabalho, o suficiente para a subsistência. A outra meia jornada é o lucro nuclear do capital.

[4]Termo utilizado por Marx para explicar a massificação da força de trabalho e a reprodução desordenada e selvagem da mesma.

Esta predominância dos ideais das elites dominantes é lugar-comum na história mundial, que só trata os acontecimentos através do romance épico, sempre isento da essência humana do Homo sapiens, exceto nas passagens religiosas que, mesmo assim, são pensadas dogmaticamente em função da predominância dos ideais das instituições religiosas, que sempre associam-se as forças políticas e econômicas, quando estas não são a própria força, de um determinado período histórico.

Este trato dado aos estudos históricos não é por acaso muito menos por ingenuidade, mas sim, pensado pela perspectiva "otarificadora" que limita o questionamento sobre a realidade por parte dos indivíduos pertencentes à categoria dominados, que para chegar a problematização da reprodução humana para o capital[5], por exemplo, encontra dificuldades incomparáveis. É preciso muito empenho por parte do indivíduo que tenta esclarece-lo sobre tais assuntos em concomitância à necessidade de uma iniciação em leituras pouco difundidas, de uma abstração imprescindível e inerente a análise das ciências sociais e humanas, cuja credibilidade epistemológica é demasiadamente baixa perante esta mesma categoria, devido à "otarice" arraigada em sua cultura, intensamente trabalhada pelos dominantes que conseguem fazer com que os otários não enxerguem, ou, legitimem o absurdo coercitivo dos impostos e cartões de crédito.

[5] Na ótica marxista, este termo representa uma análise em torno da manutenção da força de trabalho, que necessita manter em alta a taxa de natalidade e em baixa a de mortalidade, visando, exclusivamente, a abundante demanda de força de trabalho que traz consigo o aprimoramento de praticas médicas e tecnológicas como também o fortalecimento do exército industrial de reserva que, por sua vez, beneficia o arrocho salarial da categoria dominado.

É bem verdade que resistências por parte da categoria dominado, ou se preferir, da categoria otário, existem, porém, em um percentual irrisório que cresce a passos milimétricos. Ora, não é pra menos! Com variada e tamanha especulação que ocorre nos mais diversos campos da realidade social; campo literário, carreiras profissionais, imobiliário, financeiro, etc., tornando cada vez menor a perspicácia de sujeitos e envolvimento com causas revolucionárias, no sentido de enfrentamento da realidade coercitiva que a cada dia sufoca mais e mais os seus atores.

Logo, após este breve ensaio que procuramos desenvolver sobre a análise marxista do que é real e subjetivo, podemos propor uma conclusão em torno do que tentamos elucidar, contudo, sem pretensões de encerrar ou ter este trabalho como absoluto, e sim, continuar essa discussão que, certamente, para todos que puderem ler, um pensamento concluso será dominante, o de que para estudar Cotidiano, Economia e Realidade é preciso muito mais que conhecimento teórico e cientifico, é preciso antes de tudo espírito forte, uma caixa de Rivotril e nenhuma vergonha na cara.



Texto de Vinicius Gomes de Oliveira.

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