sexta-feira, 22 de março de 2013

Os Fundamentos do Direito e seus Conflitos



Vinicius Gomes de Oliveira

É um tanto difícil apontar um artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que torne menos evidente seu caráter utópico, como também os constantes descumprimentos de suas propostas jurídicas devido à incompatibilidade destas com a mentalidade de nações, grupos e indivíduos (defendemos essa hipótese). Diante disso as reflexões de Bobbio no tocante aos fundamentos do direito corroboram com a hipótese aqui exposta, no sentido de que um fundamento é essencialmente conflituoso, tanto ele como o próprio direito, pois resultam de concessões mútuas entre as partes que os disputam, tornando assim a prática, mediante os direitos positivados em concordância à DUDH, num desestabilizador jurídico e social; o que reafirma o caráter utópico de tais fundamentos e do direito.

Assim apontamos o parágrafo primeiro do artigo XI da DUDH como o centro da discussão proposta, e que diz: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

É suficiente para o trabalho proposto analisarmos a situação em Pernambuco no que tange os desafios para com essa subjetividade/objetividade, não necessitando também abarcar um número amplo de casos. Se for apontado apenas o fato da grande mídia corporativa brasileira seguir o caminho contrário ao qual o artigo supracitado indica, ainda teremos que ampliar o espaço e o tempo dispostos para realização deste trabalho, apesar de já ser um recorte. Nesse caso é pertinente apontarmos algumas poucas ocorrências verificadas no Estado pernambucano, a exemplo do embate entre o Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) travado com a mídia corporativa no qual o ministério público assume o papel de mediador.

Alguns programas de TV e rádio, assim como jornais impressos, transgridem aquela proposta jurídica da DUDH, encontrada como direito fundamental positivado na constituição brasileira de 1988, como também no código civil e penal; pois os gestores e/ou legisladores de outrora acreditavam que era fundamental compactuar com os preceitos da DUDH e assinaram a mesma. Com isso, esse ideal jurídico passa a ser norma jurídica, reguladora das relações sociais no Estado brasileiro.

O CCLF denuncia tais violações a esses pressupostos da DUDH e normas jurídicas ao ministério público, que deve, ou espera-se, notificar o(s) responsável(eis) por tais violações. Nisso alguns fundamentos podem ser trabalhados criticamente e em conformidade ao trato que Bobbio realiza, à medida que a garantia de efetivação de um direito, seja este pertencente às reivindicações do CCLF ou dos supostos responsáveis ligados à mídia corporativa, anula a efetivação do direito do outro. Daí a problemática questão do fundamento absoluto, posta como utópica, numa realidade cada vez mais heterogênea/individualizada. 

Como conciliar o artigo XI com, por exemplo, os artigos II e VII que versam, respectivamente, sobre a liberdade e a igualdade, sem negar a um dos lados algum direito? Talvez essa questão seja suficiente para atenuar certezas quanto ao fundamento absoluto, embora a discussão exija maior aprofundamento. Contudo não dispomos de tempo e espaço.

Um caso que mobilizou a opinião pública durante a década de 2000, foi o dos “irmãos kombeiros”, conhecido também e principalmente como “O caso Serrambi”, no qual os suspeitos foram subitamente colocados na condição de acusados devido às habilidades e influencias de alguns personagens ocultos desta factual tragédia ambivalente. Aqueles programas e jornais redigiam falsas verdades revestidas de imparcialidade e protegidas por uma tal liberdade de imprensa (ou como diz Ivan Moraes Filho, militante dos Direitos Humanos à Comunicação junto ao CCLF: liberdade de empresa), gerando margem para o CCLF e todo movimento de defesa aos Direitos Humanos à Comunicação denunciar a transgressão ao órgão competente e exigir do mesmo as medidas cabíveis. Não é nosso objetivo entrar no mérito da culpa ou inocência dos acusados, mas sim apontar o conflito que surgiu mediante esse fato, e já exposto aqui. 

Embora existam mais recortes que possibilitam um relativo aprofundamento nessa questão, pensamos que o já apresentado seja suficiente para elucidarmos a incompatibilidade entre o fundamento absoluto dos direitos humanos e as práticas humanas. Porém, isso não quer dizer que a luta pela efetivação dos Direitos Humanos não seja legítima e desejável, como também, contraditoriamente fundamental para que as nações e seus respectivos povos encontrem caminhos menos catastróficos para resolverem suas diferenças. Entretanto, não há como chegar a esse ponto tão desejável mediante constatáveis intolerâncias culturais de povos e nações, em concomitância a prioridade dada por estes e estas ao desenvolvimento econômico e/ou supremacia cultural internacional. 

Ademais podemos constatar facilmente, com auxílio da história, que embora os direitos e seus respectivos fundamentos mantenham-se ativos mediante eterno embate a respeito da eficiência e eficácia dos mesmos, não é correto afirmar que eles não tenham por isso contribuído com os avanços sociais/humanos nos dois últimos séculos. Contudo, é prudente lembrar que o direito é um instrumento entre vários outros e que tem como principal atributo regular as relações sociais em, e/ou entre, sociedades heterogêneas. Manter um “estado de bem estar social”, por exemplo, exige o reconhecimento da importância de determinadas instituições na manutenção desse, sejam estas a família, o trabalho e a cultura, como também a escola, que se fosse, por exemplo, pensada conforme Durkheim: moralizadora, que possibilite uma espécie de piedade social, que liberte os espíritos das visões egoístas e dos interesses materiais; possivelmente aquele instrumento, o direito, seria utilizado em circunstâncias bem menos adversas, como também menos utópica.


Texto de Vinicius Gomes de Oliveira

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